O subdiagnóstico do autismo em mulheres é uma questão amplamente reconhecida e preocupante na comunidade médica e científica. Diversos estudos e relatos sugerem que as mulheres autistas são frequentemente subdiagnosticadas ou diagnosticadas tardiamente por várias razões, muitas das quais estão enraizadas em fatores sociais, culturais e clínicos. Aqui estão algumas das principais razões baseadas em evidências:
1. Diferenças na Apresentação dos Sintomas
- Camuflagem Social: Muitas mulheres autistas aprendem desde cedo a imitar comportamentos sociais e mascarar suas dificuldades, um fenômeno conhecido como “camuflagem” ou “masking”. Elas podem observar e copiar os comportamentos de seus pares neurotípicos, o que dificulta a detecção dos sintomas pelos profissionais de saúde. Estudos indicam que essa habilidade de camuflagem é mais prevalente em mulheres do que em homens, levando ao subdiagnóstico ou diagnóstico tardio .
- Características Diferenciadas: As mulheres autistas podem apresentar características de maneira diferente em comparação aos homens. Por exemplo, enquanto meninos autistas podem demonstrar interesses restritos de forma mais evidente, como uma obsessão por números ou máquinas, as meninas podem ter interesses intensos, mas mais socialmente aceitos, como leitura ou animais. Essas diferenças sutis muitas vezes não são reconhecidas como sinais de autismo pelos profissionais, que estão acostumados com o “perfil masculino” tradicional do transtorno .
2. Estereótipos de Gênero
- Preconceitos Clínicos: O diagnóstico de autismo foi historicamente baseado em estudos de populações predominantemente masculinas. Consequentemente, os critérios diagnósticos no DSM-5 e outras ferramentas de diagnóstico podem não capturar adequadamente as nuances dos traços em mulheres. Isso resulta em preconceitos clínicos, onde os médicos são menos propensos a considerar o autismo como uma possibilidade em mulheres, especialmente se elas forem verbalmente competentes e socialmente engajadas .
- Expectativas Sociais: As expectativas de gênero também desempenham um papel significativo. As meninas são frequentemente socializadas para serem mais empáticas e comunicativas, o que pode mascarar dificuldades de interação social que são características do autismo. Essas expectativas podem levar a uma percepção errônea de que as dificuldades dessas meninas são menos graves ou são atribuídas a outros fatores, como ansiedade ou timidez, em vez de serem reconhecidas como parte do espectro autista .
3. Ocorrência de Outras Condições
- Diagnósticos Equivocados: Muitas mulheres autistas são inicialmente diagnosticadas com outros transtornos, como depressão, ansiedade, ou transtornos alimentares. Essas condições frequentemente ocorrem em paralelo com o autismo, mas podem obscurecer o diagnóstico primário de TEA. Estudos mostram que mulheres autistas têm maior probabilidade de serem diagnosticadas com uma variedade de condições psiquiátricas antes de receberem um diagnóstico de autismo, o que atrasa o reconhecimento adequado do transtorno .
4. Falta de Conhecimento e Capacitação
- Formação Profissional Insuficiente: Há uma crescente conscientização sobre a necessidade de capacitar profissionais de saúde para reconhecer o autismo em mulheres. A falta de treinamento adequado pode levar a uma subvalorização dos sinais de autismo nas pacientes do sexo feminino, perpetuando o subdiagnóstico. As ferramentas de diagnóstico atuais não são totalmente adaptadas para capturar as manifestações mais sutis do autismo em mulheres .
Conclusão
O subdiagnóstico de autismo em mulheres é uma questão multifacetada que resulta de diferenças na apresentação dos sinais, estereótipos de gênero, diagnósticos equivocados de outras condições e a falta de capacitação dos profissionais de saúde. Esse fenômeno tem implicações significativas para as mulheres autistas, incluindo o acesso inadequado a intervenções precoces e apoio apropriado. Para mitigar esse problema, é crucial que os profissionais de saúde sejam treinados para reconhecer as manifestações mais sutis do autismo em mulheres e que se desenvolvam critérios diagnósticos mais inclusivos que levem em conta a diversidade dentro do espectro autista.
Fontes:
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